domingo, 13 de dezembro de 2009

A dialético de Karl Marx

A dialética que aparece no pensamento de Marx surge como uma tentativa de superação da separação entre o sujeito e o objeto. No entanto, a dialética surgiu, na história do pensamento humano, muito antes de Marx. Em suas primeiras versões, a dialética foi entendida, ainda na Grécia antiga, como a arte do diálogo, a arte de conversar. Mas até aqui o diálogo acontece sob um princípio de identidade, entre os iguais.

Bem mais tarde, no Renascimento, a busca da objetividade levou o pensamento humano a uma profunda separação entre sujeito e objeto e ao abandono do pensamento dialético como lógica de interpretação do mundo e como objeto de estudo das ciências e da filosofia. Karl Marx viveu em vários países da Europa no século XIX. Na busca de um caminho epistemológico, ou de um caminho que fundamentasse o conhecimento para a interpretação da realidade histórica e social que o desafiava, superou posições que dizia respeito à dialética e conferiu-lhe um caráter materialista e histórico. A separação sujeito-objeto, promovida pela lógica formal, não satisfazia a este pensador que, na busca da superação desta separação, partira de observações acerca do movimento e da contraditoriedade do mundo, dos homens e de suas relações.

A lógica formal não consegue explicar as contradições e amarra o pensamento impedindo-lhe o movimento necessário para a compreensão das coisas. Se o mundo é dialético (se movimenta e é contraditório) é preciso um Método, uma teoria de interpretação, que consiga servir de instrumento para a sua compreensão, e este instrumento lógico pode ser o método dialético tal qual pensou Marx.

Isto posto, compreender o Método é instrumentalizar-se para o conhecimento da realidade. O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a forma organizativa dos homens durante a história da humanidade.

O princípio da contradição, presente nesta lógica, indica que para pensar a realidade é possível aceitar a contradição, caminhar por ela e apreender o que dela é essencial. Neste caminho lógico, movimentar o pensamento significa refletir sobre a realidade partindo do empírico (a realidade dada, o real aparente, o objeto assim como ele se apresenta à primeira vista) e, por meio de abstrações (elaborações do pensamento, reflexões, teoria), chegar ao concreto: compreensão mais elaborada do que há de essencial no objeto, objeto síntese de múltiplas determinações, concreto pensado. Assim, a diferença entre o empírico (real aparente) e o concreto (real pensado) são as abstrações (reflexões) do pensamento que tornam mais completa a realidade observada. Desta forma, a lógica formal é um momento da lógica dialética.

Se a lógica dialética permite e exige o movimento do pensamento, a materialidade histórica diz respeito à forma de organização dos homens em sociedade através da história, isto é, diz respeito às relações sociais construídas pela humanidade durante todos os séculos de sua existência. E, para o pensamento marxista, esta materialidade histórica pode ser compreendida a partir das análises empreendidas sobre uma categoria considerada central: o trabalho. O conceito de trabalho, categoria central nas relações sociais, tal qual o pensamento marxista o entende, é o conceito filosófico de trabalho, é a forma mais ampla possível de se pensar o trabalho. Nas análises marxistas acerca desta questão, encontramos que o trabalho é central nas relações dos homens com a natureza e com os outros homens porque esta é sua atividade vital. Isto quer dizer que, se o caráter de uma espécie define-se pelo tipo de atividade que ela exerce para produzir ou reproduzir a vida, esta atividade vital, essencial nos homens, é o trabalho — a atividade pela qual ele garante sua sobrevivência e por meio da qual a humanidade conseguiu produzir e reproduzir a vida humana. Assim, o trabalho é categoria central de análise da materialidade histórica dos homens porque é a forma mais simples, mais objetiva, que eles desenvolveram para se organizarem em sociedade.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Introdução á Linguística

Princípios de análise, José Fiorin.

1. Sintaxe: Explorando a estrutura da sentença

A parte central da competência lingüística dos seres humanos é saber como os itens lexicais de uma língua se estruturam em uma sentença.
O falante de qualquer língua tem o conhecimento total sobre os itens lexicais de sua língua, se organizam para formar expressões cada vez mais complexas, até chegar ao nível da sentença.
Imaginemos o léxico de nossa língua como uma espécie de dicionário mental composto pelo conjunto de palavras que utilizamos para construir nossas sentenças. Nossa competência nos permite dividir esse dicionário, agrupando itens lexicais de acordo com algumas propriedades gramaticais que eles compartilham. Essas propriedades nos levam a distinguir um grupo por oposição ao outro. Assim, por exemplo, no processo de aquisição de nossa língua materna, sabemos, desde muito cedo, que um item lexical como mesa é diferente de um item lexical como cair.
Sabemos também que as sentenças de nossa língua não são resultados da mera ordenação de itens lexicais em uma seqüência linear. Sem nunca ter passado por um aprendizado formal a respeito desse assunto, sabemos que uma seqüência de palavras como menino bicicleta o da caiu não é uma sentença do português. Sabemos, portanto, que a estrutura da sentença não é linear, mas sim hierárquica.
Nossa competência também nos indica que uma sentença se constitui de dois tipos de itens lexicais: de um lado, estão aqueles que fazem um tipo particular de exigência e determinam os elementos que podem satisfazê-la; e de outro, estão os itens lexicais que satisfazem as exigências impostas pelos primeiros. Ex: “O João construiu uma casa”. Intuitivamente, sabemos que o verbo construir é um item lexical do tipo que faz exigências. Construir precisa ser acompanhado de duas outras expressões lingüísticas: uma que corresponda ao objeto construído e outra, ao agente construtor. Uma casa, e o João são as expressões que, respectivamente satisfazem essas exigências impostas por construir.

2. Categorias gramaticais.

Os falantes de uma língua sabem que um certo item lexical pertence a uma determinada categoria gramatical . Qualquer falante da língua portuguesa dirá que a palavra menino é do mesmo tipo que garota ou cachorros e de um tipo diferente das palavras comprar, comprou, compraria, que, por sua vez, são do mesmo tipo que cantar, cantávamos , cantarão. Alguns poderiam dizer que esse saber é conseqüência do conhecimento do significado do item lexical em questão. No entanto se expusermos os falantes a sentenças com palavras inventadas, que não existem no dicionário da língua, mas que exibem o comportamento gramatical próprio de uma determinada categoria de palavras, sem dúvida, tal falante reconhecerá a palavra inventada como integrante da categoria condizente.
Ex: Plongar, palavra não encontrada em nenhum dicionário da língua portuguesa.

(1)a. Os meninos plongam sempre aos domingos.
b. Na minha infância, eu plongava todas as tardes.
c. Uma vez, um jornalista do Estado plongou vários artistas aposentados.
d. Quando ele chegou, nós estávamos plongando os convidados todos.

Qualquer falante da português classifica a palavra “plongar” como pertencente á mesma categoria de “cantar” ou “comprar”. Mais ainda, se ele tiver conhecimento da metalinguagem da teoria gramatical dirá não só que plongar é um verbo, mas também que é um verbo que tem um sujeito e um complemento. Ele é capaz de dizer essas coisas, pois é capaz de perceber quais são as propriedades gramaticais – morfológicas, distribucionais e semânticas – que caracterizam cada uma das categorias da língua.
Nessas sentenças, “plongar” carrega marcas morfológicas que variam de acordo com os traços de pessoa e numero do elemento que o antecede. Essas marcas também variam dependendo de a situação descrita pela sentença ter ocorrido em um tempo anterior ao momento da fala.
Na língua portuguesa, somente itens lexicais do tipo de “plongar”, isto é, verbos, recebem sufixos que denotam o tempo e o aspecto do evento descrito pela sentença e que estabelecem uma concordância de numero e pessoa com o seu sujeito.
Além do critério morfológico, a posição de um item lexical, funcionando, assim, como um critério distribucional.
As propriedades morfológicas, distribucionais e semânticas próprias de cada um dos itens lexicais de uma língua nos permitem agrupá-los em categorias que passam a ser definidas exatamente pelo fato de que os itens que as integram compartilham tais propriedades gramaticais. Sendo assim, o trabalho do analista da linguagem, é observar o comportamento gramatical de cada um dos itens lexicais que integra o dicionário de sua língua e dividi-los em grupos de itens que exibem comportamentos comuns. Cada grupo corresponde a uma categoria gramatical.
O trabalho de agrupamento de itens lexicais de cada uma das línguas naturais em categorias é tão antigo quanto os estudos lingüísticos. Qualquer livro de gramática contém uma seção chamada “classes de palavras”, em quem, a partir de alguns critérios tomados como definidores, classificam-se os itens lexicais de uma língua.
O modo como tais livros nos apresentam as categorias gramaticais de nossa língua nos dá a impressão de que o trabalho de classificação dos itens lexicais do português já está pronto, restando-nos somente memorizar os critérios impressos sob a forma de definições e, consequentemente, memorizar os itens que integram cada classe. No entanto, quem já se submeteu á tarefa de analisar a língua viva, defrontou-se com problemas, uma vez que, nesses livros, só vemos tratados os casos prototípicos. É por isso que, no nosso entender, devemos não memorizar, mas iniciar-nos no trabalho de observação das propriedades gramaticais dos itens lexicais de nossa língua para, assim, ter a experiência da própria elaboração de agrupamentos que serviram de base para o estabelecimento das categorias gramaticais.

3. Estrutura de constituintes

As sentenças das línguas naturais são formadas por uma seqüência linear de itens lexicais, porém essa seqüência não é aleatória. Sabemos que uma sentença como (1)a é possível português, diferentemente de (1)b que é impossível no português.
(1) a. O menino comprou uma bicicleta nova com a mesada.
(1) b. A comprou uma menino nova o com bicicleta mesada.

Esse conhecimento é parte de nossa competência lingüística; jamais fomos formalmente ensinados a reconhecer estruturas possíveis ou impossíveis em nossa língua, temos uma instituição a respeito de como as seqüências de elementos lingüísticos devem se estruturar sucessivamente, de modo a formar unidades. Essas unidades são chamadas de constituintes sintáticos.
Por exemplo, na sentença (1)a, sabemos que o item lexical “nova” deve se juntar à palavra “bicicleta” para formar um constituinte superior – “bicicleta nova” – que se junta ao item lexical “uma”, para formar um constituinte ainda superior – “uma bicicleta nova”. O mesmo acontece com as palavras “menino” e “o”, que formam um constituinte superior –“o menino”, e com os itens “mesada” e “a”, que formam um outro constituinte – “a mesada” que, por sua vez, se junta com a palavra “com”, para formar um constituinte hierarquicamente superior – “com a mesada”. O verbo “comprou” e os constituintes “uma bicicleta nova” e “com a mesada” se juntam, formando um constituinte hierarquicamente mais alto – “comprou uma bicicleta nova com a mesada”. E, por fim, os constituintes complexos “o menino” e “comprou uma bicicleta nova com a mesada” se juntam para formar o constituinte hierarquicamente mais elevado, que é a sentença.
Essa organização é chamada de estrutura de constituintes. Como é impossível de atribuirmos uma estrutura de constituintes ao exemplo (1)b que o torna agramatical.
Em resumo, as sentenças das línguas naturais são formadas a partir da estruturação hierárquica de seus constituintes, em que palavras são agrupadas em sintagmas e sintagmas são agrupados em sintagmas mais altos, até que se chegue ao nível da sentença.

3.1 Evidências para a estrutura de constituintes

Tomemos como exemplo a seguinte sentença:
(2) O João vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’ amanhã.

Para obtermos certos efeitos discursivos, podemos deslocar os constituintes de várias formas, como:
- Topicalização: os vários constituintes da sentença podem ser colocados em posição inicial:
(3)a. Amanhã, o João vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’.
(3)b. Na Borders’, o João vai comprar o último livro do Chomsky amanhã.
(3)c. O último livro do Chomsky, o João vai comprar na Borders’ amanhã.
(3)d. Do Chomsky, o João vai comprar o último livro na Borders’ amanhã.
(3)e. Comprar o último livro do Chomsky, o João vai amanhã, na Borders’.

- Clivagem: os constituintes da sentença são não só movidos para uma posição frontal, mas também são ‘ensanduichados’ entre o verbo ser e o conectivo que; esse deslocamento serve para construirmos sentenças de foco:
(4)a. É o João que vai comprar o último livro do Chomsky no Borders’ amanhã.
(4)b. É o último livro do Chomsky que o João vai comprar na Borders’ amanhã.
(4)c. É na Borders’ que o João vai comprar o último livro do Chomsky amanhã.
(4)d. É amanhã que o João vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’.

E, da mesma maneira, alguns constituintes podem ser deslocados para a posição final da sentença:
(5)a. O João contou [toda a história sobre aquele terrível mal-entendido] [para a Maria].
(5)b. O João contou [para a Maria] [toda a história daquele terrível mal-entendido].

- Passivização: a estrutura de um constituinte de uma sentença construída com um verbo transitivo direto:
(6)a. O último livro do Chomsky vai ser comprado pelo João amanhã na Broders’.
(6)b. Toda a história daquele terrível mal-entendido foi contada pelo João para a Maria.

- Fragmentos de sentenças: ao invés de dar uma resposta completa à pergunta, usa-se uma forma curta, ou seja, um fragmento de sentença. Mas só constituintes podem servir como fragmentos de sentença em respostas:
(7) A: Quem vai comprar o último livro do Chomsky amanhã?
B: O João.
(8) A: O que o João vai comprar amanhã?
B: O último livro do Chomsky.
(9) A: De quem o João vai comprar o último livro amanhã?
B: Do Chomsky.
(10) A: Quando o João vai comprar o último livro do Chomsky?
B: Amanhã.
(11) A: Onde o João vai comprar o último livro do Chomsky?
B: Na Borders’.
(12) A: O que o João vai fazer?
B: Comprar o último livro do Chomsky.
(13)* A: O João vai comprar o último livro do Chomsky amanhã?
B: Vai.

*Nota-se que, em (13), consegue-se isolar um constituinte – o verbo auxiliar vai – que não havíamos conseguido separar pelas construções que envolvem movimento.

- Pronominalização: evidência sintática que comprova a estrutura de constituintes e que já não diz mais respeito à sua distribuição na sentença; as línguas naturais utilizam-se de proformas para retomar a referência de entidades e eventos já mencionados na sentença ou no discurso. As proformas, no entanto, só substituem constituintes sintáticos, portanto, toda vez que pudermos substituir uma seqüência de palavras por uma proforma, vamos estar diante de um constituinte sintático:
(14)a. O João vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’ amanhã.
(14)b. Ele vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’ amanhã. (o João)
(14)c. O João vai comprá-lo na Borders’ amanhã. (o último livro do Chomsky)
(14)d. O João vai comprar o último livro do Chomsky lá amanhã. (na Borders’)
(14)e. O João vai fazê-lo amanhã. (comprar o último livro do Chomsky na Borders’)
(14)f. O João vai fazê-lo. (comprar o último livro do Chomsky na Borders’ amanhã)

- Elipse: evidenciar constituintes cujo núcleo é o verbo; respeitadas certas condições discursivas, algumas partes da sentença podem ser elididas:
(15) A: A criança não vai parar de gritar.
B: Eu acho que ela vai [parar de gritar], mas só se você parar de dar bola para ela.
(16)a. O João vai comprar o último livro do Chomsky no Borders’ amanhã e a Maria também [vai comprar o último livro do Chomsky na Borders’ amanhã].
(16)b. O João vai comprar o último livro do Chomsky no Borders’ amanhã e a Maria também vai [comprar o último livro do Chomsky na Borders’ amanhã].
(16)c. O João vai comprar o último livro do Chomsky no Borders’ amanhã e a Maria vai [comprar o último livro do Chomsky na Borders’] na segunda-feira.
(16)d. O João vai comprar o último livro do Chomsky no Borders’ amanhã e a Maria vai [comprar o último livro do Chomsky] na Brentano’s.

Os exemplos em (16) mostram que a elipse se aplica sobre um constituinte de sentença coordenada, que é idêntico a um constituinte da primeira sentença. Isso mostra que aquilo que a gramática tradicional chama predicado tem uma estrutura bastante complexa, sendo formado por vários constituintes hierarquicamente relacionados.

Em resumo, vimos vários fatos sintáticos que evidenciam que as sentenças das línguas naturais não podem ser entendidas apenas como uma seqüência linear de palavras. Elas são formadas por constituintes hierarquicamente estruturados. Porém, esses fatos sintáticos assumem um papel especial quando deparamos com um certo tipo de sentença ambígua. Nesses casos, além de evidenciar a estrutura de constituintes das sentenças das línguas naturais, esses fatos servem também para mostrar que existem ambigüidade que são causadas pela possibilidade de estarmos diante de duas ou mais estruturas sintáticas distintas.

3.2 Ambigüidades estruturais

Temos a seguinte sentença:
(17) O Pedro viu a menina com o binóculo.

Essa sentença tem duas possíveis interpretações. Em primeiro entende-se que o Pedro viu a menina através do binóculo que ele trazia com ele. Em segundo entende-se que a menina que o Pedro viu carregava um binóculo. Ou seja, na primeira interpretação, a expressão com o binóculo é entendida como o instrumento que possibilitou ao Pedro ver a menina; na segunda interpretação, a mesma expressão é entendida como algo que qualifica a menina que o Pedro viu.
Em contextos apropriados, a sentença (17) deixaria de ser ambígua: um contexto específico nos levaria a uma interpretação e não a outra. A sintaxe tem como um de seus objetivos o estabelecimento de princípios gerais que se apliquem de maneira uniforme a um tipo de sentença, independentemente do contexto particular em que ela foi enunciada. O que a sintaxe vai fazer é investigar a possibilidade de a ambigüidade de uma sentença como (17) estar associada a diferentes estruturas. Por exemplo:
(18)a. [Com o binóculo], o Pedro viu a menina.
(18)b. Foi [com o binóculo] que o Pedro viu a menina.
(19)a. [A menina com o binóculo], o Pedro viu.
(19)b. Foi [a menina com o binóculo] que o Pedro viu.

Nas sentenças (a), acima, usamos a topicalização, e nas sentenças (b), usamos a clivagem. Com esses movimentos a ambigüidade desaparece.
Vejamos os resultados da passivização:
(20)a. [A menina] foi vista pelo Pedro [com o binóculo].
(20)b. [A menina com o binóculo] foi vista pelo Pedro.

De novo, com a aplicação da passiva, a ambigüidade da sentença original se desfaz. A aplicação do teste de fragmento de sentença confirma essa idéia:
(21) A: Quem Pedro viu com o binóculo?
B: A menina.
(22) A: Quem o Pedro viu?
B: A menina com o binóculo.

O mesmo acontece com a pronominalização:
(23)a. O Pedro a viu com o binóculo. (a = a menina)
(23)b. O Pedro a viu. (a = a menina com o binóculo)

A primeira leitura, a de que o Pedro viu a menina através do binóculo está associada à possibilidade de “a menina” e “com o binóculo” serem dois constituintes separados. E a segunda leitura, a qual a menina que o Pedro viu carregava um binóculo está associada à possibilidade de “a menina com o binóculo” ser o único constituinte sintático. Assim, todos os movimentos e substituições de constituintes revelam essas possibilidades e evidenciam o caráter estritamente sintático da ambigüidade da sentença (17).

4. Predicados e argumentos

Considerando que usamos a língua para pensar, entendemos que os pensamentos são representações mentais da língua.
Imaginemos uma fotografia. Se várias pessoas a observarem certamente cada uma irá sugerir uma determinada situação para o momento em que a fotografia foi tirada.
Cada situação interpretada corresponde a uma palavra que é um verbo. Essas situações envolvem um determinado numero de participantes dependentemente de qual verbo é usado
Há verbos que requerem apenas um participante e outros que requerem mais de um, esses participantes são chamados de argumentos do predicado.
Logo, argumentos do predicado são elementos que desempenham papeis específicos determinados pelos verbos.
Ex1: Criança adora gato.
Adorar = Criança e Gato

Ex2: O gato está correndo pela sala
Correr = Gato

Os verbos são considerados predicados por excelência mas as preposições, os nomes e os adjetivos também podem desempenhar essas mesma função. Sendo assim, esses elementos determinam o numero de participantes da situação, as características desses participantes e o papel que cada um deles desempenha na situação.
É importante lembrar que a noção de predicado tratada aqui não se refere exatamente ao predicado da gramática tradicional. Aqui predicados são itens capazes de impor condições sobre os elementos que constituem a situação. E argumentos são itens que satisfazem as exigências de combinação do predicado.

Tratemos agora das preposições.
A preposição Contar, por exemplo, comporta-se como os verbos em determinadas sentenças.
Ex: Houve uma guerra da criança contra o gato.
Contra = criança e gato

Nessa situação se expressa o envolvimento de dois participantes, esses participantes atendem às exigências impostas pela preposição.

Já nos nomes há uma relação de predicação dentro do próprio predicado.
Ex: A destruição dos novelos pelo gato vai irritar a mãe.
Irritar = destruição dos novelos pelo gato e mãe
Destruição = gato e novelos

Considerando agora os adjetivos as sentenças expressam propriedades que precisam ser atribuídas às entidades.
Ex: A poltrona é vermelha.
Vermelha = poltrona.


As exigências impostas pelos predicados podem ser de dois tipos: semânticas e sintáticas.
· Semânticas: está relacionada aos papeis dos participantes na situação descrita. Tecnicamente são chamados de papeis temáticos. Papeis temáticos são papeis desempenhados por todo argumento de um predicado e quem define o papel do argumento é o próprio predicado.
Ex: O gato arrebentou um monte de lã.
Arrebentou = arrebentador e arrebentado
Predicado agente paciente

As informações semânticas aparecem nas sentenças de modo explicito diferente das informações de sintaxe que veremos a seguir.

· Sintaxe: se dá pela relação que há entre o núcleo e seu complemento e pela relação entre o sub-constituinte (núcleo e complemento) e o especificador.
Ex: “João comprou batas”
- Analise semântica:
Comprar = João e batatas
predicado argumentos
- Analise sintática:
João:
Papel = agente externo
Posição= especificador
Batatas:
Papel= agente interno
Posição= complemento
(sub-constituinte)

Vale lembrar que as sentenças também podem conter constituintes que não são previstos como exigências dos predicados no léxico.
Ex: ”O João comprou batatas ontem.”
João:
Papel = agente externo
Batatas:
Papel= agente interno
Ontem:
Papel= Adjunto

O adjunto não forma um novo nível hierárquico, ele apenas repete o rotulo sintagma verbal. É exatamente isso que diferencia sintaticamente os argumentos e os adjuntos.

Sobre o vídeo

1) O programa de pesquisa gerativista assume como um dos seus pressupostos que a linguagem é uma capacidade inata dos seres humanos. Segundo os gerativistas, quais são as evidências que sustentam esse pressuposto?
Segundo os gerativistas temos uma gramática inata, ou seja, já nascemos com a capacidade da linguagem; e essa capacidade da linguagem é parte da nossa biologia. Somos capazes de produzir frases que jamais ouvimos antes; um ótimo exemplo é quando uma criança começa a falar, isso acontece pelo simples fato de escutar outras pessoas falarem.

2) A linguagem humana no entendimento de Noam Chomsky baseia- se em uma propriedade elementar, chamada propriedade da infinitude discreta. Explique o que vem a ser tal propriedade.
Como o conhecimento da linguagem é parte da nossa biologia, quando falamos demonstramos saber muito mais do que ouvimos; somos capazes de produzir um número infinito de expressões gramaticais a partir de um conjunto finito de elementos e princípios limguístico.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Gerativismo: Conceitos Fundamentais

Linguagem e Língua
. A linguagem é uma capacidade mental que apenas e todos os seres humanos possuem;
. Trata-se de um órgão da mente;
. A capacidade é inata, nascemos com ela;
. Essa capacidade só está em nossa mente.

Infinitude discreta
. O conhecimento da linguagem é parte da nossa biologia;
. Quando falamos demonstramos saber muito mais do que ouvimos;
. Somos capazes de produzir um número infinito de expressões gramaticais a partir de um conjunto finito de elementos e princípios lingüísticos.

Comportamentalismo e cognitivismo
. Skinner acreditava que o fenômeno da linguagem humana poderia ser explicado de fora para dentro;
. Chomsky demonstrou que os estímulos ambientais são pobres quando comparados à complexidade do comportamento verbal;
. O cognitivismo propõe que a mente humana não seja vista como uma caixa vazia, como queriam os comportamentalistas.

O problema de Platão e o problema de Orwell
. Duas grandes questões sobre a cognição humana. O problema de Platão é justamente a pobreza de estímulos. Como podemos saber tanto, se temos tão poucas evidências;
. Já nascemos com uma espécie de instinto lingüístico: princípios universais;
. O problema de Orwell é como podemos saber tão pouco se temos tantas evidências: não assimilar passivamente os conteúdos.

Aquisição e aprendizagem da língua
. Já nascemos com princípios da linguagem universais;
. Embora os dados recebidos do ambiente sejam assistemáticos e fragmentados conseguimos adquirir uma língua porque nascemos com princípios gerais que nos ajudam a organizar os estímulos verbais deficientes em estruturas complexas;
. Aquisição é o processo natural e espontâneo que deve ser diferenciado do termo aprendizagem;
. Os princípios universais são também chamados de Gramática Universal – GU;
. A GU é acessada de maneira natural e espontânea até um período da vida – perto da puberdade;
. O processo de aprendizagem depende esforço, exercício, prática.

Estágios da aquisição da linguagem
. Balbucio - produção de sons: vogais (3-4 meses); consoantes e vogais (em torno dos 6 meses);
. Primeiras palavras - entre os 10 e 12 meses;
. Enunciados de uma palavra - em torno dos 12 meses;
. Crescimento vocabular grande - entre os 16 e 20 meses;
. Fase telegráfica - primeiras combinações de palavras, entre os 18 e 20 meses;
. Explosão vocabular - entre os 24 e 30 meses;
. Domínio das estruturas sintáticas e morfológicas - entre os 3 anos e 3 anos e meio;

Competência e desempenho
. A competência gramatical é o saber lingüístico abstrato que temos em nossa mente. Esse saber é acessado toda vez que precisamos produzir ou compreender frases;
. A competência é um saber e o desempenho é um fazer.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

De que trata a linguística, afinal?

1. OBJETIVO E OBJETO

É de se esperar que pesquisadores e estudiosos de uma disciplina saibam exatamente do que se trata essa disciplina; porém se passarmos um questionário com essa pergunta a um grupo de lingüistas, talvez iremos obter uma resposta dominante, como: “Ora, a lingüística é o estudo cientifico da linguagem humana”. E certamente essa “definição” encerraria o debate sobre a natureza do objeto de investigação lingüística.
Mas, se ainda houver espaço para uma “epistemologia” da lingüística, esta se concentrará em questões “metodológicas”, ou seja, no esclarecimento do adjetivo “cientifico” na definição acima: quais os métodos que garantiriam a “cientificidade” da lingüística? Vejamos algumas das razões para duvidar da validade dessa postura:
a) Essa posição consiste em supor que o objetivo da lingüística é fazer ciência a respeito da linguagem; para fazer sentido, tal caracterização tem que se opor a outras, como fazer filosofia, fazer mágica, criar efeitos estéticos, fazer jornalismo etc. – todas tendo um mesmo objeto: a linguagem. Então, nos perguntamos se o “objeto”, ao qual se aplicam os diferentes modos de fazer, permanece o mesmo. Em outras palavras, a linguagem, tal como manipulada ou enfocada pela filosofia, pela magia, pela literatura, pelo jornalismo e pela lingüística é invariante, auto-idêntica, independentemente do enfoque?
A resposta é não! Ou seja, a escolha de um objetivo relativamente à abordagem de um objeto determina uma visão, um modo de construir esse objeto. Ao escolher o objetivo fazer ciência, a lingüística propõe de fato um modo de construir ou conceber seu objeto, a linguagem.
b) Ao se instituir em a ciência da linguagem, a lingüística se autocaracteriza como aquela dentre as ciências que poderiam abordar a linguagem que dispõe de um ponto de vista privilegiado sobre esse objeto, ponto de vista que captaria sua essência. Só a lingüística captaria (cientificamente) o objeto linguagem em sua totalidade e naquilo que tem de essencial. A lingüística, assim, constituiria o núcleo das ciências da linguagem, sendo as demais abordagens periféricas ou subsidiárias; isso contém, implicitamente, uma definição do objeto de estudo.
c) Sabe-se que, ao conhecimento da historiografia da ciência, tanto a concepção do “fazer ciência”, como a concepção do objeto e dos métodos de cada ciência particular estão em constante evolução histórica. Quer se conceba tal evolução como linear e cumulativa, quer como uma sucessão de revoluções científicas; como não se pode tomar por fixo o conceito de ciência, tampouco a caracterização do objeto de cada ciência. Assim há as oposições ciência vs. não-ciência e núcleo vs. periferia.
Um tipo de resposta possível ao nosso questionário poderia ser a seguinte: “Não sabemos qual o objeto da ‘linguística’; mas cada um de nós sabe perfeitamente qual o objeto de sua especialização dentro da lingüística”. Logo, não dispomos de uma caracterização genérica do objeto da linguística.
Evidentemente, tal resposta implica uma opção quanto ao objeto da linguística: a opção de fragmentação. Não haveria um objeto da linguística, mas sim um “feixe” de fenômenos relacionados entre si, passíveis de ser estudados de pontos de vista diferentes e independentes uns dos outros.
Na verdade, a questão qual é o objeto da linguística?, longe de ser uma questão ingênua ou simplesmente descritiva, é a questão normativa básica da linguística.

2. OBJETO OBSERVACIONAL E OBJETO TEÓRICO

O mundo das aparências é um mundo de diversidades. As ciências fazem reduções parciais da diversidade, isto é, recortam o campo da diversidade observacional de maneiras que lhes parecem apropriadas para o tipo de entidades e de explicações que lhes são preferenciais. Tomemos as teorias da luz como exemplo. A teoria corpuscular da luz, que assume corpúsculos como entidades básicas, vai privilegiar aqueles aspectos dos fenômenos luminosos que se prestam à explicação corpuscular, a saber, a proporção da luz. A teoria corpuscular tem dificuldade para explicar fenômenos como a interferência e prefere concentrar-se em outros fenômenos, como a reflexão e a refração, deixando de lado quase tudo o que diz respeito a cor. Já a teoria ondulatória da luz, assumindo que as entidades básicas são ondas, não encontra dificuldades em explicar fenômenos como a interferência e oferece uma explicação razoável da cor e fenômenos como a difração.
Podemos agora perguntar qual o objeto das teorias da luz e encontrar duas respostas. No nível observacional, o objeto é o conjunto dos fenômenos luminosos e é igual para ambas as teorias. No nível teórico os objetos são distintos. Para a teoria corpuscular impõe-se uma subdivisão da teoria da luz em duas subteorias: a da propagação e a da cor. Na teoria da propagação as explicações em termos de corpúsculos são simples e imediatas, enquanto que na teoria da cor tornam-se tortuosas e problemáticas; já na teoria ondulatória permite unificar essas duas subteorias.
Toda teoria delimita uma certa “região” de realidade como seu objeto de estudos. As disciplinas científicas fazem uma espécie de “loteamento” da realidade, cabendo a cada uma delas um dos “lotes”. Mas este “loteamento” não é sempre bem definido, de forma que há áreas em disputa, porções da realidade que são reclamadas por mais de uma disciplina científica. O objeto observacional de uma teoria é, em princípio, a “região” que a teoria privilegia como foco de sua atenção e é constituído por um conjunto de fenômenos observáveis. Um erro comum é supor que as divisões da ciência correspondem a divisões naturais da realidade.
A extensão desse objeto observacional pode ser assunto de debates, e a linguística tem bons exemplos disso. Aos olhos de seu fundador, a gramática gerativa constitui uma revolução na linguística, não só por oferecer uma teoria radicalmente nova dos fenômenos lingüísticos, mas por delimitar um objeto observacional distinto do de outras teorias.
Delimitando o objeto observacional, a teoria vai identificar entidades básicas, a partir das quais vai atribuir propriedades aos fenômenos pertencentes ao campo e vai estabelecer relações entre eles, transformando o objeto observacional em objeto teórico. Esse objeto teórico é construído a partir da escolha das entidades básicas, do objetivo geral do estudo e do nível de adequação pretendido.
Teorias diferentes podem construir objetos teóricos distintos sobre um objeto observacional que é supostamente o mesmo, bastando para isso reconhecer entidades básicas, predicados e relações diferentes no objeto observacional.
A gramática gerativa ignora o contexto concreto em que o enunciado ocorreu e concentra-se apenas nele. Entende o enunciado como uma estrutura superficial à qual se associam, por meio de um conjunto de regras, estruturas mais abstratas que categorizam as partes da estrutura superficial e estabelecem relações entre elas. A estrutura superficial é entendida como epifenomenal, ou seja, como uma manifestação sem importância teórica de um aspecto mais importante da linguagem: a gramática inscrita na mente dos falantes. Na verdade, a gramática gerativa só vai se ocupar do conjunto de regras e de princípios que permitem que os falantes gerem sentenças de sua língua.
Para o filósofo John Austin, um indivíduo A realiza um ato de fala assertivo com o qual pretende que um indivíduo B tome conhecimento do conteúdo proposicional do enunciado. Para Austin, o ato de fala do indivíduo A envolve três atos superpostos: um ato locutório, um ato ilocutório e um ato perlocutório.
Assim vemos que, embora o objeto observacional seja o mesmo para todas as teorias, os objetos teóricos são extremamente distintos. Se ignorarmos momentaneamente as eventuais diferenças de extensão dos objetos observacionais, e considerarmos que todas as teorias lingüísticas delimitam o mesmo objeto observacional, encontraremos as razões de diversidade teórica nas divergências metodológicas e ontológicas que certamente ocorrerão quando da passagem do objeto observacional para o objeto teórico.
A definição do objeto teórico “cria” uma realidade particular da teoria. Em outras palavras, a teoria cria um mundo todo seu, que não se confunde com o mundo tal como o observamos. Esse mundo teórico é povoado não só pelos fatos observáveis como também pelas entidades teóricas.

3. O PROBLEMA ANTOLÓGICO

Na filosofia medieval, encontramos três soluções para o problema ontológico: a solução nominalista, a solução conceptualista e a solução realista (ou platônica). Estas três soluções aparecem como respostas concorrentes para a chamada questão dos universais. Trata-se de saber a que corresponde na realidade o significado de nomes comuns como “homem”, “cadeira” etc. O que se discutia era se esses nomes, de fato, nomeavam algo “real”, ou seja, se “existia” o universal “homem”.
Os nominalistas sustentavam que só existiam “os homens” (os indivíduos particulares) e que o termo “homem”, embora designasse o conjunto dos homens, não correspondia a nada no mundo: era apenas um nome.
Os conceptualistas admitiam a existência desses universais na mente das pessoas. Para eles, além das “cadeiras” particulares, existe uma idéia de cadeira. Porém a existência desses “conceitos universais” é meramente mental, ou seja, eles não existem na mente das pessoas.
Já para os platônicos, só os universais têm existência. Por exemplo: uma cadeira particular só tem existência na medida em que “participa” de um universal. Para eles os universais existem independentemente de qualquer manifestação física particular, bem de qualquer mente que os perceba, e nada existe a não ser como manifestação de um universal.
Bloomfield adota a postura nominalista com relação aos termos teóricos da lingüística. Ele considera que a linguagem se resume ao conjunto de ruídos produzidos pelo falante e que os termos “conceito”, “idéia” etc. são apenas sinônimos de “expressão lingüística”.
A solução conceptualista pode ser percebida no trabalho de Sapir (1933). Para ele, a realidade objetiva das diferenças fonéticas é sempre re-interpretada pela “intuição fonológica” do falante; para Sapir os fonemas são entidades que possuem realidade, mas apenas uma realidade psicológica.
Bloomfield se insere na tradição behaviorista que baniu completamente de seu vocabulário teórico todo e qualquer termo referente ao mental; para eles toda explicação psicológica deve ser feita em termos de generalizações a respeito das relações estímulos/respostas em um organismo. Sapir, por outro lado, é um mentalista declarado.
Embora útil, a classificação medieval requer uma certa elaboração para poder ser aplicada hoje em dia. Em primeiro lugar, é preciso observar que nenhuma teorização pode abrir mão de generalizações. Em segundo lugar, as estruturas matemáticas ou, de modo geral, teóricas nada mais são do que formas convenientes para a organização dos dados.
Zellig Harris, que é classificado como um nominalista, rejeita essa opção instrumentalista, o que de fato o afasta de um nominalismo forte. Harris distingue a questão de saber se a estrutura realmente existe na linguagem e a questão de saber se ela existe realmente nos falantes. Portanto Harris não é nominalista no sentido estrito, na medida em que defende a realidade das estruturas distribucionais; mas está bem próximo do nominalismo na medida em que admite como reais apenas estruturas bem próximas dos dados.
Hjelmslev, Saussure, Chomsky, e mesmo Sapir, distanciam-se do nominalismo exatamente na medida em que admitem, por um lado, a realidade de estruturas não definíveis em termos de conjuntos de dados, sejam elas de que ordem forem.
A segunda elaboração necessária da classificação medieval diz respeito à possibilidade de um realismo diferenciado. É impossível conceber um realismo que, além das idéias platônicas, reconheça também a realidade de objetos físicos concretos e mesmo de objetos psicológicos. Tal teoria foi recentemente proposta pelo filósofo Karl Popper.
Segundo Popper, nós vivemos em três mundos distintos e inter-relacionados, todos eles reais. O primeiro mundo é o mundo dos objetos físicos (mesas, cadeiras, campos de forças, movimentos etc.); o segundo, é o mundo dos processos mentais (intenções, emoções, desejos, crenças etc.); e o terceiro é o mundo das entidades e relações teóricas (teorias, conceitos, argumentos etc.). Para ele os objetos do terceiro mundo são criados pela atividade psicológica humana, mas, uma vez criados, passam a ter uma existência objetiva independente e irredutível à atividade que os criou.
O conceptualismo vai admitir a existência de “particulares” e de “conceitos mentais”, sem existência fora da mente, que “organizam”, que servem de pattern para os particulares. Ora, a gramática gerativa se pretende real: “Ela é uma das coisas mais reais no mundo”, mas palavras de Chomsky. Logo, ela não é apenas um “pattern” que permite o agrupamento dos particulares, como são os “sound patterns” de Sapir.
Para Hjelmslev, o que importa na linguagem é o sistema abstrato, o conjunto dos “relata” que estão por trás das manifestações lingüísticas concretas.
Toda teoria lingüística, na construção de seu objeto teórico, presume uma resposta ao problema ontológico, e será em função dessa resposta que as questões metodológicas fundamentais serão abordadas.

4. HISTÓRIA DA LINGUÍSTICA: AS OPÇÕES “NOCIONAL” E “FILOLÓGICA”

A história da lingüística ocidental anterior ao século XIX apresenta um grande número de propostas de tratamento dos fatos lingüísticos. Em Platão, em Aristóteles e nos estóicos podem-se encontrar os rudimentos de uma teoria das partes do discurso, construídas com motivações lógico-filosóficas, teoria que vai ser desenvolvida pelos lógicos medievais; com o0 objetivo de registrar formas lingüísticas de um passado monumental com vistas à adequada apreciação da literatura ática, os gramáticos alexandrinos propõem uma gramática do grego de caráter normativo-prescritivo; as gramáticas gerias dos séculos XVII e XVIII propuseram-se enunciar os princípios que definem a organização fundamental da linguagem humana, definindo a linguagem de que as línguas naturais são realizações particulares; para explicar a diversidade e a desigualdade entre as línguas, os filósofos-linguistas do século XVIII se põem a especular sobre a origem e os processos evolutivos das línguas.
Podemos proceder, então, a uma classificação das opções que encontramos no estado da linguagem anterior ao século XIX. A classificação encontra duas opções fundamentais: a nocional e a filológica.
A opção nocional ocupa-se da linguagem a partir das relações som/sentido. Possui fundamentação lógico-filosófica e concebe a linguagem como representação. Concentra-se na função representativa universal da linguagem e nos elementos que a tornam possível; ignora todo e qualquer tipo de variação lingüística, seja no tempo ou no espaço.
A opção filológica já não ignora a variação lingüística, mas a concebe em função de uma perspectiva normativo-prescritiva (correto/incorreto), à luz da qual toda variação é desvio. Pretende preservar formas de língua tidas por “clássicas” e, para isso, dedica-se à descrição detalhada dessas formas; privilegie as formas escritas em detrimento da fala.
Classificações “exclusivas” deveriam ser construídas a partir de “traços” necessários e suficientes. Por exemplo, para definir homem (- “ser humano”) poderíamos usar os “traços” animal e racional, de forma que a definição seria: o homem é um animal racional. Tanto o traço animal quanto o traço racional são necessários, isto é, qualquer indivíduo precisa apresentar o traço animal e o traço racional para ser incluído no conjunto dos homens; os dois traços, em conjunto, são suficientes na medida em que todos os indivíduos que os apresentarem serão considerados homens.
As caracterizações devem ser entendidas como “conceitos abertos”. Os “traços” nas caracterizações não são necessários nem são suficientes; dentre os “traços” utilizados nas caracterizações, há alguns que são mais “salientes” e que são privilegiados como critérios de classificação. A “centralidade” de alguns “traços” faz com que os usemos preferencialmente para fazer referência à opção e implica que nos outros “traços”, os não-centrais, haja maior variação de presença/ausência sem que se saia da opção.
Ambas as opções apresentam uma característica comum, que é a subordinação dos estudos da linguagem a outro saber qualquer: seja a lógica, a filosofia ou a epistemologia, no caso das teorias nocionais, seja a crítica literária, a retórica ou a preservação de formas “clássicas” de linguagem, nas teorias da opção filológica. Esses vários “pontos de vista/”, esses vários objetivos e/ou motivações deverão criar, então, objetos distintos para a investigação lingüística.

5. HISTÓRIA DA LINGUÍSTICA: A OPÇÃO “HISTÓRICA”

No século XIX, os estudos lingüísticos sofrem uma modificação em seu caráter, em função da alteração de seus objetivos. Ao invés de se estudar a linguagem para fazer filosofia ou para fazer crítica literária, como nos séculos anteriores, passa-se a estudar a linguagem pensando-se em fazer ciência. Esse novo objetivo vai determinar não só uma metodologia como também um novo objeto para a lingüística. A proposição de “fazer ciência” força os comparativistas a se afastarem da praxis dos lingüistas precedentes e a desenvolveram novas formas de abordar os fatos lingüísticos, bem como os força a definir um novo objeto para a lingüística. A comparação entre as línguas e a história de seus desenvolvimentos é esse novo objeto.
A descoberta do sânscrito foi o “lance de sorte” que permitiu que Franz Bopp criasse uma nova forma de encarar os fatos lingüísticos. Tudo levava a crer, no início do século XIX, que a comparação entre as línguas fosse um bom lugar para de encontrar regularidades. Como as primeiras regularidades tivessem sido observadas nos sistemas morfológicos e fonológicos das línguas comparadas, foi sobre a morfologia e a fonologia das línguas que os comparativistas debruçaram-se. A história das línguas, obtida a partir do método comparativo, passou a ser central, na medida em que permitia um estudo científico dos fatos lingüísticos, ou seja, permitia a obtenção de leis gerais que descrevem regularidades.
A lingüística do século XIX privilegiou a “adequação descritiva”. Todos os aspectos da linguagem para os quais não se dispunham de leis descritivas razoáveis, formuladas em termos histórico-comparativos, foram relegados a um segundo plano.
A lingüística histórico-comparativa do século XIX força-nos a reconhecer uma terceira opção, ao lado das opções nocional e filológica, a opção histórica.
A opção histórica concentra sua atenção no caráter histórico dos fenômenos lingüísticos. Nessa perspectiva, a questão da variação lingüística, no tempo e no espaço, passa a ser o objeto de estudos. Isso significa, entre outras coisas, que se abandona a idéia de que a tarefa da lingüística é identificar uma essência da língua, mas se reconhece que as línguas, como todo fenômeno humano e social, mudam historicamente e que, portanto, a tarefa de quem quer que seja no estudo objetivo da linguagem é descrever mudanças e descobrir as leis subjacentes a elas.

6. HOMOGENEIZAÇÃO, AUTONOMIA E CIENTIFICIDADE

Chegamos de novo ao século XX e começamos com Saussure.
O que mais chama a atenção no trabalho de Saussure é a insistência quanto à delimitação de um objeto homogêneo para a lingüística; para Saussure só é lingüística o estudo que tomar por objeto a langue, tudo o mais fica fora do domínio da ciência. Há mais coisas no fenômeno linguagem além da langue, mas essas outras coisas são periféricas e dependem da langue para sua abordagem. A langue é a parte essencial da linguagem.
Saussure pretende tornar a lingüística, verdadeiramente, uma ciência. Para isso, é preciso homogeneíza de qualquer forma o objeto, uma vez que não é possível descobrir as regularidades necessárias para o estudo científico da linguagem se a lingüística não voltar sua atenção para um objeto homogêneo. A noção da langue tem, no quadro da teoria saussuriana, o papel de tornar homogêneo o objeto e permitir à teoria lingüística aceder à explicatividade.
A intenção de tornar a lingüística “científica” leva Saussure a priorizar o formal, uma vez que é nele que se encontram as maiores possibilidades de obtenção de regularidades e de leis. Esse privilegiamento do formal esclarece a sintatização da semântica na teoria de Saussure. Trabalhar com os níveis fonológico e morfológico numa perspectiva formalizante é relativamente simples. Trabalhar com os significados, no entanto, é um pouco mais difícil. A saída saussuriana para esse problema está em fazer semântica não do significado diretamente, mas do valor. Assim, ao tratar semanticamente um signo como “cadeira”, Saussure não vai se preocupar em saber qual é o seu significado, mas vai investigar as relações que esse signo mantém com outros signos, como “sofá”, “poltrona”, “mesa” etc. O conjunto dessas relações vai determinar o valor de “cadeira” no sistema. Saussure é levado, por sua visão rigorosa de sistema, a considerar como único conjunto válido para a determinação do valor de qualquer signo a totalidade do sistema, ou seja, a langue.
Nota-se que a noção de valor exerce um papel semelhante ao da noção de langue: ela homogeneíza o objeto.
Saussure atribui à langue outra característica significativa: a autonomia. Ele entende a langue como um sistema de signos que independe dos falantes e do meio social. A autonomia é a “chave” para entendermos o papel “revolucionário” do pensamento de Saussure.
Com Saussure, o estudo da linguagem passa a ser um objetivo em si mesmo e não mais um estudo ancilar da lógica, ou da crítica literária. A língua é um sistema e, na verdade, é o próprio sistema que muda e que tem história. Assim, o estudo autônomo do sistema (lingüística sincrônica) é a condição lógica para o estudo de sua história (lingüística diacrônica).

7. AS OPÇÕES DE CHOMSKY

Noam Chomsky, como Saussure, insiste na homogeneidade do objeto da lingüística. Como Saussure, ele vai também buscar essa homogeneidade na noção de estrutura. Diferentemente de Saussure, Chomsky vai entender a estrutura como um conjunto de regras. Deste modo, Chomsky dá um caráter dinâmico à sua noção de estrutura; em função disso, Chomsky não precisa considerar a estrutura como um sistema fechado e pode chegar à noção de criatividade lingüística.
Chomsky leva muito a sério a idéia de que as estruturas estão presentes na cabeça dos falantes, isto é, o caráter psicológico do conhecimento lingüístico. Em função dessa “psicologização” do conhecimento lingüístico, da competência lingüística, uma série de questões preocupam Chomsky. A aquisição da linguagem é uma delas.
A solução chomskiana para a questão da aquisição da linguagem retoma o racionalismo clássico e pode ser entendida como a conjugação de duas doutrinas diferentes sobre os mecanismos mentais responsáveis pela linguagem: o antiempirismo e o inatismo.
A tese fundamental do antiempirismo chomskiano é que o processo de aquisição não pode se restringir aos mecanismos de aprendizagem que os empiristas atribuem à mente humana: associação e generalização por abstração. Segundo Chomsky, tais mecanismos são demasiado pobres para dar conta do fato de que uma criança aprende um sistema imensamente complexo de regras com base numa amostra de fala pequena e muitas vezes deficiente. Para ele, tal aprendizagem consiste num processo de geração e avaliação de teorias científicas.
O conjunto das escolhas metodológicas de Chomsky interfere fortemente na determinação do objeto teórico de sua gramática gerativa. Todo o esforço de investigação fica restrito a um aspecto extremamente limitado do objeto observacional, embora, na perspectiva de Chomsky, seja o que há de mais “central”, de mais “essencial”, no fenômeno linguístico.
Chomsky escolhe a competência como objeto da lingüística, excluindo do domínio da disciplina, consequentemente, todos os fatos do desempenho. Mas Chomsky não se ocupa da competência de forma homogênea: no interior dela, a sintaxe é considerada nuclear, enquanto a semântica e a fonologia são periféricas.

8. A OPÇÃO “INTERDISCIPLINAR”

Uma olhada rápida no conjunto das teorias atualmente em concorrência nos permite identificar uma dicotomia que opõe, de um lado, os lingüistas que, como Saussure e Chomsky, “homogeneízam” o objeto de estudos e “autonomizam” a lingüística e, de outro, os lingüistas que trabalham com objetos heterogêneos e “interdisciplinarizam” a lingüística. Labov é um exemplo de lingüista desse segundo grupo.
Para Labov, o objeto da lingüística é a gramática da comunidade de fala, o sistema de comunicação usado nas interações sociais. Esse objeto é essencialmente heterogêneo em duas direções: ele comporta um grande número de variantes, estilos, dialetos e línguas usadas pelos falantes e não pode ser arbitrariamente retirado do nicho social em que é usado.
Segundo Labov, a homogeneização do objeto obtida pela introdução de noções “abstraizantes”, como a langue de Saussure ou a competência do falante/ouvinte ideal de Chomsky, “idealiza” de tal modo os dados da diversidade observacional que impede simplesmente a construção de um objeto teórico que se mantenha observacionalmente adequado. A questão fundamental que Labov coloca é “como pode a linguagem ‘variar’ sem interferir na comunicação entre os membros de uma comunidade de fala?” e para responder à questão, ele tem que postular um “sistema linguístico” para essa comunidade que seja linguisticamente heterogêneo, ou seja, u m”sistema” em que convivam registros, dialetos, estilos etc. Para explicar o funcionamento de seu sistema heterogêneo, Labov tem que ligar visceralmente a variação lingüística às necessidades sociais de comunicação, integrando o linguístico ao social.

9. AS “FILIAÇÕES” DA LINGUISTICA

Correspondendo às várias possibilidades de escolha do objeto teórico que distinguimos até o momento na lingüística contemporânea, encontramos três tendências de “filiação” da lingüística a outras disciplinas:
a) uma tendência “sistemática”, que busca ver na linguagem um “sistema” autônomo, sem relações com os falantes ou com o meio social;
b) uma tendência “psicologizante”, que destaca as relações da linguagem com os falantes e
c) uma tendência “sociologizante”, que privilegia as relações entre a linguagem e o seu ninho social.
Saussure, Hjelmslev, Bloomfield, entre outros, representam a tendência “sistemática”. Para eles, a linguagem é um objeto autônomo cujas relações com outras áreas do saber são, do ponto de vista da lingüística, periféricas. A “filiação” é a teoria dos sistemas; esta filiação é meramente metodológica.
A segunda tendência tem em Chomsky seu principal representante. Para ele, a lingüística é parte da psicologia, presente na mente dos falantes/ouvintes. A filiação da lingüística à psicologia é meramente ontológica.
As teorias que seguem a tendência “sociologizante” ocupam-se ou do uso que os falantes fazem das expressões lingüísticas, “filiando-se” à filosofia da ação, ou das determinações sociais presentes na escolha das formas lingüísticas utilizadas, “filiando-se” à sociologia. Como no caso de Chomsky, essas “filiações” assumem um caráter ontológico, determinando a natureza do objeto.

10. CONCLUSÕES

Resumamos, então, os parâmetros principais segundo os quais as diferentes teorias delimitam e definem o objeto da lingüística.
Cada teoria delimita para si um objeto observacional, ou seja, uma “porção” da realidade que constituirá o seu objeto de estudos. Essa “porção” da realidade pode consistir quer de elementos puramente lingüísticos, num sentido estrito (fonemas, morfemas, palavras, sentenças, textos etc.), quer em elementos lingüísticos acoplados a seu contexto de produção, situação histórica, conjunto dos conhecimentos dos falantes que os empregam etc. Ela pode privilegiar a língua escrita ou a língua falada, considerar uma ampla gama de variações dialetais, de registros etc. ou selecionar um “extrato superior” da linguagem, definido quer por um corpus de textos canônicos, quer por uma “norma culta” ou por outro critério qualquer. A porção da realidade estudada pode ainda constituir na totalidade das línguas e de seus diferentes estágios de evolução ou restringir-se a algum subconjunto geográfica ou historicamente delimitado.
As opções metodológicas não só delimitam o objeto como também determinam a estruturação interna das teorias. Nesse sentido, privilegiar a sintaxe, em detrimento, por exemplo, da semântica ou da pragmática, corresponde precisamente a privilegiar aquilo que é mais diretamente formalizável. Analogamente, privilegiar a sentença, em oposição ao texto ou ao discurso, é resultado da mesma opção metodológica.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

último teste.
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